domingo, 26 de agosto de 2018

As coisas que a gente não diz


A semana começa e é domingo de manhã. Chove. Mais do que costuma chover na Irlanda, o que chega a ser um comentário meio bizarro. Afinal, chove sempre na Irlanda. Meu único meio de transporte pro trabalho é minha bicicleta, que comprei no meu primeiro mês aqui e tem sido minha amiga de todo dia. Ou de quase todo dia. E eu não pedalava no Brasil. 

Domingo de manhã é meu horário preferido pra pedalar. O mundo fica tão calmo que parece que as ruas pertencem só a mim e a minha bike. Mas hoje eu não quero, até pagaria alguém pra me teletransportar pro trabalho. Eu sei que vou chegar ensopada, mesmo usando minha capa de chuva. Se fosse no Brasil seria pior, eu lembro. Aqui chove sempre, mas não é de verdade. A chuva não tem cheiro e quase sempre é uma garoa mínima.

No trabalho eu prefiro não conversar com ninguém. As pessoas podem achar que é porquê meu inglês é básico, mas não é. É muito mais preguiça de engajar numa conversa com gente que parece mais desinteressada que eu. Me perguntam como eu tô e respondem como eles estão sem esperar eu dizer uma palavra. Conversam sobre como tá o dia. O que eu queria mesmo era das umas risadas com os colegas de trabalho, mas as piadas deles não têm a menor graça. Obviamente nem as minhas pra eles. Também não gosto dos meus gerentes.

Lembro desse sentimento de não gostar de boa parte dos meus superiores no Brasil também. Mas é que algumas coisas não mudam, não importa que lugar do mundo a gente tá. Ser pobre no Brasil é ser pobre em qualquer lugar. Ser introvertido também. E a vontade de querer botar ordem na empresa também. Trabalhar de domingo é chato em qualquer lugar. O que muda é a dignidade. As coisas que a gente pode fazer. 

Eu tento não reclamar de ter que trabalhar. Mas é difícil. Eu começo a semana sabendo que vou esperar mais cinco dias pra ter uma folga, que meus próximos dias vão ser corridos, que eu e meu namorado não teremos tempo livre essa semana. Minha gerente é dona da minha agenda. Mas isso também é coisa da qual eu não devo reclamar. 

Tem uma porção de coisas que a gente não diz pra ninguém. Por medo. Medo de acharem que você não é grata. Tem outras milhares que a gente acha que não tem valor. Mas não dizer é fazer desaparecer. Eu respiro. E a semana segue, comigo pensando em todas as coisas que não vou dizer.

(Mas que coloquei em um texto)

domingo, 22 de outubro de 2017

Todas as formas de voltar pra casa



De alguma forma inexplicável sair de casa é uma forma de arrumar uma desculpa pra poder voltar. Existe uma expressão em inglês, que sempre me perguntam se eu estou sentindo, que é "homesick". Sempre que escuto isso minha cabeça traduz como "doente demais a ponto de querer ir pra casa". Eu também entendo como sendo uma versão do que é nossa querida palavra sem tradução "saudade".

Por muito tempo no intercâmbio - que logo completa nove meses, uma gestação - não senti saudade de casa. Acho que as primeiras semanas foi um período complicado de ajuste e depois virou um sentimento de que não havia muito para que voltar. Só depois de muito tempo longe de casa que me deu uma vontade forte de voltar pra lá. A vida fora dela já não era tão emocionante, embora fosse, porque eu estava atolada no pensamento de que só queria estar por um dia lá. 

Minha cabeça se ocupava em imaginar as minhas conversas com cada familiar meu, mesmo que conversar nunca foi o meu forte. De criar na minha imaginação o cheiro da comida da minha mãe e do meu pai. De jogar uma partida de um jogo qualquer com meus irmãos, que provavelmente eu fosse perder, mas que fazia parte do ritual todo. Só um dia. 

A verdade é que não havia a vontade de querer voltar pra casa pra sempre. Era mais um sentimento de conforto que eu buscava na grandeza do mundo e do cansaço do meu esforço pra transformar o lado de fora em lar. Era uma cansaço que me fazia pedir uma pausa básica, só pra descansar. Mas as circunstâncias não me permitiam parar.  

Não conseguia parar de pensar na minha família, no quanto eu queria que eles estivessem vivendo comigo o maior feito da minha vida até aqui. Era só isso, a companhia. Nesses pensamentos eu ignorava que todo o meu esforço havia conquistado realizações e que de fato algo havia sido construído e o lado de fora já podia ser chamado de casa. Mas ainda havia um desajuste. 

A gente só queria um abraço, sentir o cheiro da nossa casa uma vez, pra ter forças pra continuar do lado de fora. E assim a gente volta pra casa, só que dentro de nós. 

domingo, 16 de julho de 2017

Vivendo aleatoriamente


Eu tive que pensar em casa. Na vida que eu deixei quando fiz minhas malas. Há seis meses, eu estava decidida a dar adeus a tudo que eu conhecia. Tive que pausar um ciclo que fez com que eu sentisse que vivia um limbo sem fim, nessa coisa de tentar entender mais ou menos o que é esperado. 

Eu me lembro como se ainda estivesse acontecendo, de tão vívido, de estar encarando a tela do computador, sem entender muito bem os caminhos que minha vida iria tomar. Sem entender muito bem qual era a graça daqueles momentos de sonhos, sem grandes realizações. Bem, ninguém nunca havia dito que conquistar coisas fosse fácil, embora algumas façam parecer que sim, né? Eu pensei muito e muito no peso das minhas decisões e de certa forma preparada pra que isso pudesse implicar.

Mais o que nunca havia compreendido era como seria levar uma vida em um país completamente novo, numa cultura inteiramente diferente. Viver ficou descomplicado, justamente no momento mais complexo da minha existência. Eu estive presente. Sem futuro, sem passado. Apenas respirando, inspirando, absorvendo. Cada pedaço da existência daquilo que só existiu por muito tempo dentro da minha cabeça. 

Em algum ponto desses tempos loucos, eu apenas parei de ter medo. E fiquei. Mesmo que às vezes machuque pensar em casa e nas coisas boas que ficaram pra trás e que não couberam nas minhas malas. Ainda que muitas continuem existindo dentro de nós. 
 

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Até mais


Nesses dias aí completei duas semanas de intercâmbio. O engraçado é que parece muito com dois meses, de tantas experiências e coisas novas ao mesmo tempo. Vamos dizer que em um contexto geral a vida foi 50%, ás  vezes feliz, outras tristes. Por mais que tivesse pensado nisso, não tinha levado à sério que embarcar numa jornada é se despedir de quem somos

Eu coleciono filmes de experiências transformadoras (que até já compartilhei algumas escolhas lá no outro blog), mas nunca havia me enxergado para viver algo assim. Sempre fui uma observadora. Eu havia aceitado tanto o marasmo (que eu amo) que demorei uma semana pra entender que estava em outro país e ali seria minha casa dali pra frente. Aquilo ali não era uma viagem de férias, era toda uma transformação que acontecia em todos os segundos desde que saí do avião.

Quando peguei minhas malas e meu namorado pra estudar inglês do outro lado do oceano não sabia que eu iria enterrar o que eu era até o dia 27 de janeiro de 2017 - no momento em que me despedi daqueles que amo no aeroporto. Em duas semanas, tive que aprender não apenas um novo idioma, mas como fazer absolutamente tudo. Comer, se vestir (afinal, estou vivendo um inverno real pela primeira vez), beber café, se locomover, ir ao banco, nome das ruas, direções, costumes e uma infinidade de coisas que fazemos todos os dias sem perceber. Tudo ficou com cara de coisa nova, algo que nem sempre é fácil para aqueles com problemas de adaptação como eu. 

É voltar até aquela fase em que aprendemos a andar. Eu não sabia que encontrar a Sandy de alguns anos atrás, uma velha conhecida minha que era tímida demais pra ter amigos e que tinha medo da vida. Mas por sorte, quando eu deixei ela pra trás eu também aprendi a superar o que me afligia, aprendi a ter coragem

É por isso que espalhamos pelo mundo de que é melhor juntar dinheiro pra viajar. Porque embarcar é reconhecer o nosso redor e aprender muito sobre a nossa essência e do lugar em que consideramos o nosso lar e de onde está o nosso coração. Mas isso tudo não é uma regra de vida, é só um conselho. Por isso, tem tanta graça.

E agora eu sigo, nesse misto de despedida e de reconhecimento.